quarta-feira, 30 de agosto de 2017

1.3

  abro a janela do avião e estámos quase a aterrar. lá fora o céu está limpo. deve estar calor em portual. como eu sinto falta daqueles dias abafados, do fim da tarde laranja, dos corpos a brilhar da salitre. saudades dos verões grandes e os fins-de-tarde na praia a ver o sol cair até se ir, apenas ouvindo o barulho das ondas bater na areia... melancolicamente. volto no tempo e estou na praia a pensar no futuro, pensar na primeira vez que um rapaz me partiu o coração, ou na primeira vez que ali tive sexo. não sabendo eu quantas mais vezes voltaria a repetir aquilo, naquele local e com tanta gente diferente. talvez pensando, que mal fiz eu a Deus por ser gay, ou pensando se algum dia teria uma vida normal. se iria encontrar alguem que gostasse de mim, se deixaria de ser o gay da terra. volto no tempo e estou naquela mesma praia com os meus amigos na àgua a tentar ver quem chega primeiro aquela pedra lá longe, lembro-me de uma vez quase me afugar quando saltei dela.
  passaram alguns anos desde que aquele pequeno estava ali na praia, talvez a comecar a escrever este blog sobre as aventuras sexuais dele, que na altura eu mesmo achava tão erradas, e por vezes sujas. passaram alguns anos e o futuro que aquele rapaz pensava para si, deu muitas voltas, mudou muito de lugar. a catequese deixou de ter tanto peso nas ideias, a opinião dos outros tambem. aprendi muita coisa, viajei muito, conheci muita gente, muitos homens. aquele pequeno rapaz não tinha ideia de como a vida podia ser um lugar feliz e louco. um lugar de aventuras, de ajuda. nunca imaginei naquela praia que poderiam haver muitos gays no mundo, que eu era só mais um, que poderia um dia casar, beijar na boca e dizer á minha mãe que tenho namorado. aquele pequeno rapaz não tinha ideia de como o mundo podia ser um local incrivel mas perigoso ao mesmo tempo. que aceitaçao era uma palavra, não so paneleiro e maricas.
   sempre que chego aquela pequena cidade, com um chafariz na praça, sinto um calafrio no estomago. ainda acho que toda a gente me está a olhar, ainda ouço na minha cabeça a palavra paneleiro. olho para aquela mesma praça onde estava dez anos atrás e penso no que sofria, em como me sentia sozinho e triste quando chegava a casa, por isso não queria nunca ir para casa. de como eu criava e recriava alter-egos e mascaras, algumas acho que ate hoje. de como era infeliz e me sentia aprisionado. apesar dos amigos, dos bons amigos que ainda hoje defendem este paneleiro, bem menos vezes é verdade. a cidade continua igual, pequena, bonita. cheia no verão, vazia no inverno. mas as pessoas mudaram. já há muitos paneleiros e maricas, se calhar não os suficientes, mas já não sou o unico que lá anda, ou lá volta. já toda a gente vê nas novelas e na televião homens como eu. agora eu, quase a chegar aquela praia onde o sargaço abunda, penso de como teria sido diferente a minha vida se este calafrio no estomago nunca tivesse existido. 

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